terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Ronaldo Lemos - Correndo atrás da cenoura (Extraído de: Revista Trip - Agosto/2011)


Colunista traça paralelo entre o condicionamento de animais baseado nas recompensas e o condicionamento humano em determinados sites e games como World of Warcraft, Farmville e Cityville

Na década de 30, o então estudante de doutorado em Harvard chamado Burrhus Frederic Skinner inventou o experimento que ficou conhecido como a “caixa de Skinner”. Nela era colocado um animal (como um pombo ou um rato), que para ganhar comida precisava apertar uma alavanca. Com isso, Skinner descobriu que era possível “condicionar” o comportamento dos animais.
                  
Se todas as vezes que a alavanca era pressionada o alimento aparecia automaticamente, o animal logo ficava “preguiçoso”, porque sabia que bastava uma simples ação para ser alimentado. No entanto, se a comida aparecia apenas de vez quando, após apertar a alavanca várias vezes em intervalos imprevisíveis, isso fazia com que os animais ficassem compulsivos: passavam a apertar a alavanca o tempo todo, para ter certeza de que receberiam a comida.

O trabalho de Skinner gerou polêmica desde o início, especialmente quando propôs que o mesmo tipo de condicionamento era aplicável a nós, humanos. E a polêmica tem ficado ainda maior. Cresce o número de alertas sobre produtos da internet que acabam condicionando o comportamento das pessoas baseados em um modelo similar ao da “alavanca e recompensa”.

Farmville e Google+

Um exemplo recorrente são jogos sociais, que vão de Farmville e Cityville ao mundialmente conhecido World of Warcraft (WoW) que sozinho tem mais de 11 milhões de usuários. A crítica feita a eles é que, para atrair jogadores pelo maior tempo possível, recorrem a modelos similares ao proposto por Skinner. Por exemplo, no WoW o jogador ganha recompensas por realizar a mesma tarefa (como matar monstros), distribuídas de forma aleatória. Com isso, os jogadores são compelidos a repetir o mesmo tipo de ação sucessivamente, como forma de progredir no jogo.

Só que necessidades biológicas, como a “fome”, são saciáveis (ninguém quer comer 15 pizzas depois ter comido uma inteira). Já necessidades externas, como dinheiro ou reputação (mesmo que virtuais), nunca são saciadas. Daí a razão para continuar matando monstros sem parar: ganhar mais pontos, que depois são trocados por recompensas. Alguns games chegam até mesmo a punir o usuário se ele ficar muito tempo tempo sem jogar (como em Farmville, em que a colheita se perde se não for colhida a tempo).

Esse tipo de condicionante acaba aparecendo além dos games. Por exemplo, redes sociais enviam e-mails avisando que alguém comentou alguma publicação. Isso é um incentivo para pararmos o que estamos fazendo e ir até lá “colher” a mensagem. Ou, ainda, há quem desenvolva o hábito de clicar no botãozinho vermelho que aparece tanto no Google+ como no Facebook, mostrando o número de novas “notificações”.

Pode ser que isso não signifique o uso deliberado do modelo da “caixa de Skinner”. Mas não dá para ignorar que muita gente gasta muito mais tempo do que gostaria na internet, repetindo as mesmas ações em busca de “recompensas”.

É bom lembrar que existem outras estratégias mais nobres e construtivas para atrair a atenção das pessoas. Por exemplo, elaborando narrativas bem-feitas, incentivando o aprendizado de novas habilidades, trabalhando com enigmas e desafios, mexendo com nossa curiosidade natural e assim por diante. Todas são mais ricas do que o esquema simplório do modelo da “alavanca e recompensa”. Afinal, o elemento mais empolgante da rede é poder cultivar aquilo que temos de mais humano.

Lemos, Ronaldo. Correndo atrás da cenoura. Revista Trip. São Paulo, Ed. 202. ago. 2011



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